4 de ago. de 2010

[Literatura/Mistério] Cordéis e Assombrações


Minha família pelo lado da minha mãe é todo do Ceará, e como bons cearenses eles são muito bons contando causos e piadas, um dom que eu infelizmente não herdei. Fico impressionado quando visito meus tios e eles recitam um cordel inteiro de cabeça, ou como estão sempre encontrando piada em qualquer canto. Posso não ter herdado o dom, mas herdei o gosto e apesar de não ser um profundo conhecedor tenho os meus cordéis que guardo com todo carinho numa gaveta.

Cordel pra quem não sabe é um tipo de poesia popular, onde as histórias antes contadas oralmente foram passadas para o papel. O nome cordel deriva do fato de em Portugal esses folhetos serem vendidos pendurados em cordões. No Brasil o cordel se desenvolveu principalmente no Nordeste assumindo características e temas próprios, como, por exemplo, fatos do cotidiano, episódios históricos, lendas, temas religiosos, entre muitos outros. No Sul/Sudeste não sei se dá pra encontrar fácil, mas aqui pelo Nordeste, em qualquer feira de artesanato sempre tem.


Lembro de quando era pequeno dum tio meu declamando “As proezas de João Grilo” pra mim – sim, jovem gafanhoto, João Grilo não é uma criação do Ariano Suassuna pro Auto da Compadecida. Ouvia e gostava. Até hoje ainda lembro a primeira estrofe. Mas ele declamava com uma facilidade e num ritmo tão perfeito que você se sentia dentro das proezas daquele “amarelo” sem vergonha. Mas essa habilidade não se restringia só a ele. Outro tio meu escreve cordel até hoje.. Nenhum famoso que eu saiba, mas todos muito bons. Assim como o meu avô, que escreveu um sobre a copa de 70 que guardo até hoje com todo carinho como uma recordação dele.

O que eu acho legal do cordel é a capacidade de pegar qualquer assunto – e quando digo qualquer é qualquer mesmo – e conseguir criar uma história. Já li cordel sobre a Morte do Michael Jackson, sobre o Seu Lunga, sobre peido, sobre o porquê dos cachorros cheirarem o traseiro um do outro, sobre Lampião, que deve ser o assunto mais abordado, já que já vi história de Lampião no Céu, no Inferno, no Purgatório, no Paraíso, encontros deles com zilhões de pessoas, lutando contra um lutador de Kung Fu e pasmem, até contra o Alien e o Predador, e por aí vai.


Hoje estava eu indo deixar esse meu tio cortador de causos na rodoviária e eis que vejo um cordel sobre a Perna Cabeluda, entidade sobrenatural aqui de Recife, que nada mais é do que o oposto do Saci Pererê, ou seja, ao invés de não ter uma perna é só uma perna sem o corpo. Pra completar a perna é cabeluda, como o próprio nome já diz, e tem o hábito de andar de noite pelo centro de Recife, surgindo de onde menos se espera e chutando as pessoas e depois saindo pulando embora. Quando vi o cordel não tive como não comprar e dar um de presente pra esse meu tio que tantas histórias interessantes me contou e que agora vai ficar conhecendo mais uma das assombrações do Recife.

Recife por sinal tem toda uma gama de lendas e lugares assombrados, como, por exemplo, além da própria Perna Cabeluda, os fantasmas que rondam o Teatro Santa Isabel e que muitos afirmam avistar, a lenda da Emparedada da Rua Nova, uma jovem grávida que teria sido emparedada viva pelo pai por ter causado vergonha a família. O Papa-figo, que seria um ricaço daqui que não podendo se alimentar de outra coisa senão fígados de crianças, mantinha uma rede de escravos que roubavam crianças pra ele poder devorar seus fígados. Sem falar nos locais assombrados, como, por exemplo a Cruz do Patrão, que é considerado o local mais assombrado do Recife, local este onde teriam sido enterrados escravos negros e onde também ocorreria fuzilamento de militares condenados a morte, e onde hoje pode-se ver assombrações ao se passar por lá.


Quem escreveu longamente sobre as assombrações do Recife foi o sociólogo Gilberto Freyre no seu livro, Assombrações do Recife Velho. Eu ainda não li o livro, mas pretendo muito em breve ler e ficar conhecendo mais em detalhes as assombrações daqui. Baseado nos relatos desse livro a prefeitura daqui entre 2006 e 2008 realizou passeios noturnos pelo centro da cidade passando exatamente pelos locais descritos no livro. Infelizmente eu só fiquei sabendo dos passeios mais recentemente e não sei se eles ainda ocorrem.

PS: Quem se interessou e não consegue encontrar cordel pra comprar, nesse site tem vários disponíveis para leitura.

PS2: Achei um vídeo que mostra mais ou menos como é o passeio pelos locais assombrados do Recife.


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