8 de set. de 2022

[Idiossincrasias/Literatura] Idiota somos nozes

Concluí recentemente a leitura do livro "A Idiota" da escritora estadunidense Elif Batuman, e está leitura me trouxe memórias de quase 20 anos atrás quando entrei na universidade. Na trama, que se passa no ano de 1995, acompanhamos Selin, uma jovem americana de origem turca, em seu primeiro semestre em Harvard. Entre novas amizades, descoberta da internet, aulas de russo, romances enrolados e viagens pro exterior, vemos a formação da personalidade de Selin e percebemos como somos propícios a fazer coisas idiotas nessa fase da vida. 

O livro é dividido em duas parte. O semestre letivo e o dia a dia de Selin entre salas de aula e troca de mensagens por e-mail com Ivan, um aluno veterano húngaro com quem ela desenvolve uma relação no mínimo complexa, e o recesso letivo onde ela vai, por influência de Ivan, participar de um projeto que envolve ensinar inglês para crianças em vilas húngaras. Apesar de ter ficado incomodado com a segunda parte, o que não é de todo ruim, já que o incomodo vinha das escolhas que Selin fazia e que eu tava vendo que era furada, eu adorei a primeira parte do dia a dia dela na universidade, e foi essa parte que ativou memórias de quase 20 anos atrás.

Uma década depois do ano em que se passa a trama, em 2005, era eu quem estava entrando na universidade. Não era Harvard, mas era a UFPE, e na minha cabeça ingênua, formada por filmes americanos, as aulas seriam parecidas com aquelas que eu via nas telas, em salas tipo auditório com dezenas de alunos e o professor lá em baixo debatendo com a turma, etc. Quem já viu qualquer filme americano que se passe numa universidade sabe do que eu tô falando. Pra minha decepção, a única coisa em comuns foram as turmas com dezenas de alunos. Na verdade mais de uma centena as vezes. De resto nada foi como eu imaginava. Talvez tenha sido problema do curso que eu escolhi, engenharia mecânica, que não gerava o debate, a troca de ideias que eu queria. Só sei que na prática foi meio que uma continuidade do ensino médio nessa questão metodológica de ensino. 

Com quase vinte anos, eu já não tenho tantas memórias desse primeiro semestre. Eu sempre fui muito tímido, então demorei a fazer amizades. Tenho lembranças mais vívidas a partir do segundo semestre. Além disso, hoje eu sei que eu estava passando por umas crises de ansiedade na época, então tentava evitar situações que pudessem me gerar um ataque de pânico. Isso significa, no final das contas, assistir aula e voltar pra casa, sem interagir muito com os colegas fora da sala de aula, o que ajudou muito na falta de memórias nesse período.

A migração entre ensino médio e universidade foi bem complicada pra mim. Acho que a liberdade era tanta que eu não conseguia lidar. Soma-se a isso o fato do semestre letivo estar atrasado por causa das greves e eu só começar as aulas em abril, ao invés de fevereiro que seria o normal. Então entre novembro/dezembro de 2004 e abril de 2005 eu estava sem fazer nada, basicamente esperando o semestre letivo começar. Durante esse período, meu pai era síndico do prédio em que morávamos, e eu fiquei com a tarefa de ser o office boy dele pra pagar as contas do prédio. Foi nessas idas ao banco que eu comecei a ter as primeiras crises de pânico. Enquanto esperava nas filas eternas do banco meu cérebro começava a divagar e eu ia ficando nervoso sem motivo aparente. De repente meu corpo gelava e eu tinha ânsia de vômito. Aí que eu ficava mais nervoso ainda e tinha mais vontade de vomitar. Era aquela agonia até conseguir pagar e sair do banco tendo resolvido os assuntos que tinha ido tratar alí. 

Durante o primeiro semestre letivo essas crises continuaram e o jeito que eu tinha pra lidar era evitar situações de estresse. Isso não era algo inédito na minha vida. Sempre que eu passei por algum tipo de mudança eu tive algo dessa natureza até conseguir me ambientar e saber lidar com as novidades...

Quando eu cheguei nessa parte do texto eu percebi o quão fudida minha cabeça estava naquela época e como sempre foi meio fodida. Uau! O texto ficou parado semanas esperando eu digerir a informação e agora eu não sei nem mais sobre o que eu queria escrever. 

Depois dessa epifania confesso que meu conceito sobre o livro mudou. Antes eu tinha achado ele apenas ok, mas ele me afetou de um jeito que começo a entender porque ele foi finalista do Pulitzer.

Apesar dos apesares que citei, a universidade foi um local que me traz muitas lembranças legais até hoje, principalmente porque eu ainda continua dentro de uma, mas agora como professor. Dos biscoitos recheados divididos com a salada inteira onde você acabava ficando com apenas um, dos cochilos na biblioteca pós almoço, dos professores e suas caricaturas (hoje fico imaginando qual a que os meus alunos fazem de mim), das situações inusitadas envolvendo colegas e docentes, etc. 

O processo de amadurecimento é difícil e as escolhas são difíceis. Parecer idiota é fácil. É muito cômodo (e ao mesmo tempo muito injusto consigo mesmo) olhar com distanciamento temporal e de conhecimento das consequências para uma escolha do passado e se cobrar por ela.